Mestre Júlio Santos (Fortaleza-CE, 1944) dedica-se ao desenvolvimento, execução e divulgação da fotopintura, técnica fundamental na construção da memória visual do povo brasileiro. Atualmente utiliza de forma criativa e experimental as ferramentas do Photoshop para realização da fotopintura digitalmente. Em 2010 teve sua obra publicada no livro Júlio Santos: Mestre da Fotopintura (Ed. Tempo d’Imagem) por meio do programa Conexão Artes Visuais da Funarte e edição de Rosely Nakagawa. Seu trabalho ganhou destaque em diversas exposições coletivas e individuais dentro do Brasil e no exterior. A despeito da notoriedade que seu nome vem recebendo das instituições de arte e da mídia, Mestre Júlio continua atendendo pedidos de fotopinturas encomendadas por famílias de todo o país.
Ainda garoto, aos doze anos, Júlio Santos foi estudar no Mosteiro de São Bento em Garanhuns, interior de Pernambuco. Quando retornou à Fortaleza de férias, seu pai, Francisco Antônio do Santos, juntamente com o sócio Antenor Medeiros, davam os primeiros passos na criação de um ateliê de fotopinturas, o Áureo Studio, fundado em 1956. Sentindo-se tolhido pela vida rígida do seminário, o menino postou-se atrás do cavalete e disse: “Pronto, daqui não vou mais embora”.
Aprendeu o ofício dentro do estúdio. Primeiramente no laboratório fotográfico, revelando negativos e ampliando os retratos, e logo depois foi para o cavalete, na afinação das fotopinturas. Aos 14 anos já estava criando as roupas dos retratados, uma etapa difícil mesmo para os fotopintores experientes. Nessa época trabalhavam cerca de dez homens no ateliê de Medeiros e Santos, que em seu auge chegou a empregar 38 pessoas criando 2,4 mil telas por mês.
Já adulto, Júlio tem uma passagem como fotopintor contratado pelo Foto Paris, em Fortaleza, mas a convite de seu pai retorna ao Áureo Studio em 1973, desta vez para dirigi-lo, o que o faz até hoje. De seu primeiro casamento, teve três filhos: Paulo César, Vitor e André. Em 1989 casa-se pela segunda vez, e desse vínculo nasceram Rebecca e Manuela. A partir da década de 1990 passa a ser popularmente conhecido como Mestre Júlio.
É nessa década que o artista tem sua primeira aparição midiática de grande repercussão, no programa Brasil Legal, da TV Globo, apresentado por Regina Casé. O reconhecimento social caminha paralelo às dificuldades de prosseguir com o trabalho devido à escassez de papéis fotográficos de fibra no mercado brasileiro, aqueles que aceitam a coloração de tinta pastel (preferidas de Mestre Júlio). Essa circunstância leva o artista ao uso de tinta látex em papéis resinados, reconduzindo sua tradição estética para novos materiais.
Na entrada do século XXI, Júlio Santos faz demonstrações públicas de fotopintura, ao vivo, no Encontro de Fotografia Popular, em Fortaleza, e participa também da exposição Retrato Popular, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. O diretor de cinema Joe Pimentel realiza os curtas metragens Retrato pintado e Câmera Viajante, com importantes participações de Mestre Júlio.
A fotopintura, que uma década antes já havia sido atingida pela pela massificação da fotografia em cores e a escassez de materiais, passa a concorrer com as câmeras digitais e os processos informatizados de restauração de imagens utilizando escaneamento e uso de softwares. Se impõe sobre o Áureo Studio a necessidade de dispensar os oito funcionários que ainda permaneciam ao lado de Mestre Júlio e este, diante da crise, se reinventa pela segunda vez.
Em 2006, aos 62 anos, com a ajuda de seu sobrinho, o artista adentra aos domínios do Photoshop, uma tarefa árdua no início, visto que nessa época o mestre da fotopintura não possuía computador e tampouco já havia manipulado algum. O espírito inventivo levou o artista a subverter a caixa de ferramentas virtuais do Photoshop, valendo-se dos mecanismos aos seus próprios moldes e desejos para manter a estilística que cultivava por décadas no cavalete. Para a revista Vós, Mestre Júlio declarou:
“Um dia desses ouvi essa: ‘ai, eu gostava mais quando o senhor fazia com a mão’. Aí eu respondi: ‘Não, não faço com os pés não, continuo fazendo com as mãos’. Só que agora a história é outra, é virtual. Mas todas as tintas estão ali, todos os esfuminhos, todos os pincéis, tudo do mesmo jeito que estava no cavalete. Só que antes era pintura à pastel. Ora, a gente não ama só uma vez na vida. Comecei reproduzindo em chapa de vidro, depois mudou pro filme 6×6, que mudou pro 35mm, que mudou pro colorido, depois pro digital. E aí? Se tivesse desistido no início tudo tinha se acabado. Eu conheci e vivi tudo. E me sinto perfeitamente à vontade com o Photoshop, assim como me orgulho de não ter deixado a fotopintura morrer”
A partir de 2009, Júlio Santos colaborou com obras das artistas Rosângela Rennó (Carrazeda+Cariri), Ângela Berlinde (Os Maias) e Virginia de Medeiros (Fábulas do olhar). A convite do fotógrafo Luiz Santos e junto a ele, realizou o projeto Fotopintura contemporânea, que envolveu dois ciclos de oficinas seguidas de criações de fotopinturas em contextos de saúde mental, no Hospital Ulysses Pernambucano (Tamarineira), em Recife, e no Instituto Municipal Nise da Silveira, no Rio de Janeiro. Em coautoria com Cyro Almeida desenvolveu a série Deslimites da memória, proposta que reativou sua técnica de fotopintura a pastel para retratar adolescentes e jovens.
De espírito reservado e hábitos simples, Mestre Júlio viveu um momento de euforia em 2018 quando assistiu, pela primeira vez e como convidado, a um grande show. Suas fotopinturas integraram a composição visual da turnê dos Tribalistas, trio formado por Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. O artista foi homenageado pelo grupo diante de um público de 20 mil pessoas no ginásio do Centro de Formação Olímpica, em Fortaleza. Um mosaico plural de seu acervo foi projetado em cinco telões de led, com destaque para a fotopintura do trio criada especialmente para essa turnê e encomendada pelo diretor de arte do espetáculo, Batman Zavareze.
A consagração artística não afastou Mestre Júlio de seu fazer cotidiano. Há décadas acorda de madrugada e segue para frente do cavalete, que desde 2006 é a tela do computador. Diariamente realiza novas fotopinturas que são distribuídas para todo país. A rotina de trabalho no Áureo Studio, anexo à sua casa, é acompanhada pelas canções de Milton Nascimento, Flávio Venturini e Raul Seixas, entre outros estimados pelo artista, que cultiva também uma alimentação vegana e o repouso na rede. Desde 2019, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura mantém uma sala de trabalhos para Mestre Júlio dentro da instituição, que atua na construção de um espaço dedicado à pesquisa e memória da fotopintura no Brasil.
CV
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS
- 2020 . Deslimites da memória. Coautoria com Cyro Almeida. Museu Mineiro. Belo Horizonte/MG. Curadoria: Ângela Berlinde.
- 2013 . Interior profundo. Centro de Fotografía de Montevideo. Montevideo, Uruguai. Curadoria: Diógenes Moura e Rosely Nakagawa.
- 2012 . Interior profundo. Pinacoteca do Estado de São Paulo. São Paulo/SP. Curadoria: Diógenes Moura e Rosely Nakagawa.
- 2011 . Fotopintura Contemporânea. Coautoria com Luiz Santos. Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. Rio de Janeiro/RJ.
EXPOSIÇÕES COLETIVAS
- 2023 . Retrato de Mestre. Museu da Cultura Cearense. Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Fortaleza/CE.
- 2023 . Novos olhares para Monalisa. Caixa Cultural. Fortaleza/CE.
- 2018 . Sobre a cor da sua pele. Museu de Arte Contemporânea do Ceará. Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Fortaleza/CE. Curadoria: Rosely Nakagawa.
- 2017 . Tropicália: um disco em movimento. Centro Cultural Banco do Brasil. Rio de Janeiro/RJ. Curadoria: Fred Coelho e Coletivo Curatorial Estúdio M’Baraká.
- 2016 . Retrato Popular: do vernáculo ao espetáculo. Sesc Belenzinho. São Paulo/SP. Curadoria: Rosely Nakagawa e Valéria Laena.
- 2014 . Virei viral: identidades e coletividades. Centro Cultural Banco do Brasil. Rio de Janeiro/RJ. Curadoria: Coletivo Curatorial Estúdio M’Baraká.
- 2014 . XII Bienal Naifs do Brasil. Sesc Piracicaba/SP. Curadoria: Diógenes Moura.
- 2011 . Extremos. 23a Bienal Europalia Arts Festival. Bruxelas, Bélgica. Curadoria: Rosely Nakagawa e Guy Veloso.
- 2010 . Uncertain Brasil. Pingyao International Photography Festival. Shanxi, China. Curadoria: Angela Magalhães e Nadja Peregrino.
- 2006 . Retrato Popular. Pinacoteca do Estado de São Paulo. São Paulo/SP. Curadoria: Titus Riedl, Rosely Nakagawa e Valéria Laena.
PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS E ATIVIDADES DE ENSINO
- 2023 . Arte da Fotopintura. Centro de Pesquisa e Formação Sesc. São Paulo/SP.
- 2023 . FestA – Festival de Aprender. Curso Fotopintura. Sesc Pinheiros. São Paulo/SP.
- 2023 . Oficina Retratos de família. FLAC – Feira Livre de Arte Contemporânea de Belo Horizonte (online).
- 2022 . Oficina de fotopintura digital. Porto Iracema das Artes. Fortaleza/CE.
- 2020 . Sesc Ideias. Fábulas do olhar: fotopinturas e outras aventuras. Sesc São Paulo (online).
- 2020 . Ateliê aberto com Mestre Júlio Santos. Museu Mineiro. Belo Horizonte/MG.
- 2018 . Fotopintura: Salva! Guarda! Salvaguarda. Programa Fotopoéticas. Porto Iracema das Artes. Fortaleza/CE.
- 2017 . Workshop de fotopintura. Museu da Fotografia de Fortaleza. Fortaleza/CE.
- 2014 . Restauração digital de fotografias. Centro de Profissionalização Inclusiva para a Pessoa com Deficiência. Fortaleza/CE.
- 2012 . Oficina de restauração: equipe técnica. Museu Paulista da USP (Museu do Ipiranga). São Paulo/SP.
- 2012 . Fotopintura contemporânea. Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira, no Rio de Janeiro/RJ.
- 2011 . Projeto múltiplos saberes e fazeres. Sesc Boulevard. Belém/PA.
- 2011 . Café literário. Feira Literária Internacional do Tocantins – FLIT. Palmas/TO.
- 2011 . Encontros com o autor. 5º Festival Internacional de Fotografia de Porto Alegre – FestFotoPoa. Porto Alegre/RS.
- 2011 . Oficina de fotopintura. Galeria Choque Cultural. São Paulo/SP.
- 2010 . Encontro DeVERcidade. Ifoto Instituto da fotografia. Fortaleza/CE.
- 2009 . Fotopintura contemporânea. Hospital Ulysses Pernambucano (Tamarineira). Recife/CE.
- 2008 . Olhares refletidos. Ifoto Instituto da fotografia. Fortaleza/CE.
- 2006 . Encontro de Fotografia Popular. Memorial da Cultura Cearense. Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Fortaleza/CE.
PRESENÇA EM ACERVOS E COLEÇÕES
- Museu Mineiro. Belo Horizonte/MG.
- Museu da Fotografia. Fortaleza/CE.
- Museu da Cultura Cearense. Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Fortaleza/CE.
- Arquidiocese de Fortaleza. Acervo de retratos dos párocos da Igreja de Jesus, Maria, José – Antônio Bezerra. Fortaleza/CE.
- Grande Loja Maçônica do Estado do Ceará. Acervo de retratos dos grão-mestres. Fortaleza/CE.
PRÊMIO
- 2023 . Premio Nuestra Mirada. Pictures of the Year Latin America (POY Latam).
LIVROS
- 2012 . Interior profundo: Mestre Júlio Santos, fotopintura. 128 pág, 28 x 23 cm. Editora Tempo d’Imagem. Coordenação editorial: Diógenes Moura e Rosely Nakagawa.
- 2010 . Júlio Santos: Mestre da Fotopintura. 84 pág, 22 x 17 cm. Editora Tempo d’Imagem. Coordenação editorial: Rosely Nakagawa. Programa Conexão Artes Visuais da Funarte.
CITAÇÕES EM TRABALHOS ACADÊMICOS
- BORGES, Déborah Rodrigues. Representação como tensão na fotografia: pensando a fotopintura. Revista EVS – Revista de Ciências Ambientais e Saúde. v. 38 n. 4, 2011.
- FERNANDES, Ana Rita Vidica; ALVES, Rafael Delfino. Fotopintura e filtros do instagram: modos de encenação do retrato fotográfico. Anais do Seminário Internacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual. Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018.
- GUIMARÃES, Valdir Machado. A história social da fotopintura cabocla no sertão de Pitanga, 1950 a 1975. Orientador: Dr. Ancelmo Schörner. Dissertação (Mestrado). Pós-Graduação em História, Área de concentração História e Regiões, Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro. Irati, 2014.
- KUSMA, Vinícius Silveira. A fotografia, a tinta, a fotopintura, e a (re)significação dos sonhos: uma etnobiografia de Mestre Julio Santos. Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Turra Magni. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, 2016.
- LIMA, Alexandre Heverton Maia. Do pincel granulado ao brush pixelizado: percursos da fotopintura. Orientador: Prof. Dr. Silas José de Paula. Monografia (Graduação). Curso de Comunicação Social, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2013.
- MARIANO, Erika. Fotopintura: fontes iconográficas, imagem e memória em esquecimento. Revista do Colóquio de Arte e Pesquisa do PPGA-UFES, n. 20, inverno de 2021.
- PARENTE, Cristiana de Souza. A câmera e o pincel ou O olho e a mão no retrato pintado de um povo. Orientador: Prod. Dr. Diatahy Bezerra de Menezes. Dissertação (Mestrado). Pós-graduação em Sociologia, Departamento de Ciências Sociais e Filosofia, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 1995.
- QUEIROGA, Eduardo. Fotopintura Contemporânea: a pós-produção no trabalho de Mestre Júlio. Revista Cartema. n. 6, ano 6. Recife, 2017.
- RIBEIRO, Erika Mariano. Fotopintura e alteridade: imagem diversa e plural. Revista Cidade Nuvens. v. 1, n. 3, 2021.
- SANTOS, Francisco Heládio Cunha. Retrato pintado: identidade para posteridade. Orientadora: Profa. Marinina Gruska Benevides. Monografia (Graduação). Curso de Ciências Sociais, Centro de Ciências Humanas, Universidade de Fortaleza – Unifor. Fortaleza, 2007.
- SARMENTO, Poliana de Albuquerque. Entre imagens e afetos: trajetórias e memórias de fotopinturas. Orientadora: Profa. Dra. Ana Rita Uhle. Monografia (Graduação). Curso de História, Unidade Acadêmica de Ciências Sociais, Centro de Formação de Professores, Universidade Federal de Campina Grande. Cajazeiras, 2017.
- SILVA, Anylan Bezerra. Análise de imagem dos autorretratos de Telma Saraiva. Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Braga e Vaz da Costa. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Curso de Licenciatura em Artes Visuais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2018.
- WULHYNEK, Livia Heinerich. Desejos ilustrados: um resgate à fotopintura. Orientador: Prof. Catedrático Pedro Saraiva. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Belas-Artes, Universidade de Lisboa, 2015.
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