Deslimites da memória (2019)
Coautoria de Cyro Almeida e Mestre Júlio Santos
A série Deslimites da Memória se desenvolveu em quatro etapas. Na primeira o artista visual Cyro Almeida mapeou nas redes sociais (Facebook e Instagram) fotografias, em sua maioria selfies, que demonstrassem algum traço de atualidade no rosto da juventude, e entrou em contato online com os possíveis retratados, explicando o conceito do trabalho. Num segundo momento foi pessoalmente até esses jovens e os convidou a performarem aquela atitude das selfies, mas dessa vez para uma nova fotografia feita por ele, usando uma câmera analógica da década de 1970 com película preto&branco de médio formato. Posteriormente, na terceira etapa, as fotos foram ampliadas em papel por meio de procedimento artesanal de laboratório fotográfico analógico preto&branco – com a ressalva de que a única parte fotográfica do negativo original reproduzida no papel foi o rosto. Na quarta fase, Mestre Júlio Santos finalizou as obras por meio da tradicional técnica da fotopintura, adicionando cor ao retrato preto&branco e criando as vestimentas, acessórios e os cabelos.
As obras apresentadas são uma novidade tanto para o perfil de público retratado quanto pra fotopintura. A partir do mapeamento inicial feito por Cyro Almeida, os autores se concentraram em retratar a geração Z – aqueles nascidos na era da internet – com as peculiaridades envolvidas em suas formas de autorrepresentação. Os traços físicos da juventude atual como os cabelos coloridos, piercings, alargadores na orelha e maquiagens ousadas, foram um apelo na escolha dos retratados. No entanto, para além das aparências físicas, interessa para os artistas as poses, o modo provocador e irreverente como os jovens se mostram diante das câmeras de celular em suas selfies: ângulos feitos em plongée e contra-plongée, olhares oblíquos à câmera, lábios entreabertos, caretas e língua pra fora.
Dessa forma temos jovens que nunca foram retratados pela tradicional técnica de fotopintura, tampouco a conheciam. E por outro lado temos a própria fotopintura que nunca havia retratado essa geração e suas características. Um encontro e uma atualização para ambas. Se na fotopintura feita ao longo do século XX os homens e mulheres do campo, trabalhadores rurais, eram comumente retratados com ternos ou pomposos vestidos e joias, que possivelmente nunca haviam trajado, Deslimites da Memória cria também essa fabulação ao revestir a juventude atual com as vistosas indumentárias do século passado. Dificilmente veremos em suas selfies as vestimentas que lhes foram conferidas por Mestre Júlio, o que não ocorre, dessa vez, por uma distinção de classe, mas por um traço geracional.