É com uma espécie de maravilhamento que se adentra a exposição Retrato Popular, em cartaz no Sesc-Belenzinho. Trazendo uma seleção de acervos do Centro Cultural Dragão do Mar (Fortaleza), do colecionador Titus Riedl e de Mestre Júlio Santos, a mostra concentra-se num período específico da tradição do retrato. Se o registro da figura humana começou em priscas eras, nas pinceladas de artistas muito bem pagos por reis, nobres e o alto clero, o advento da fotografia tornou-o acessível a qualquer bom trabalhador. E o fotógrafo-viajante, com a máquina lambe-lambe debaixo do braço, disseminou a prática no interior do Brasil ao longo do século 20.
No lugar de cenários e figurinos luxuosos, eram as roupas da moda e os temas religiosos que interessavam ao homem do povo, aqui representado pelo recorte regional que privilegia Juazeiro do Norte e a região do Cariri. Como fundo de cena, grandes lonas eram pintadas à mão, trazendo santos e a paisagem local. Cavalinhos e charretes faziam a festa da criançada. Por meio de moldes, Mestre Júlio aplicava com pincéis, diretamente sobre as fotografias, ternos, vestidos e acessórios ao gosto do freguês. Agora, o fotoartista vai além com as inúmeras possibilidades da manipulação digital. Ele pode realizar qualquer sonho do freguês, como ser rainha ou, curiosamente, deixar de ser médico para virar mecânico.
Esculturas de barro com cenas cotidianas de fotógrafos, acessórios para tornar a fotografia portátil (os hoje obsoletos monóculos), equipamentos e livros de referência, além de uma ampla coleção de ex-votos (retratos deixados nas igrejas como pagamento de promessas), mostram por quais estratégias o retrato se difundiu no cotidiano do povo. Novas incursões dessa prática por meio de técnicas antigas também estão na mostra.
É o caráter artesanal do processo analógico que enche de graça a exposição. Posar para um retrato era uma ocasião especial, envolvia construir a autoimagem que se conservaria para o resto da vida, e mesmo depois. Como na fotografia do Filho falecido que chega ao céu como ator de cinema, manipulação digital de Mestre Júlio. Em tempos de terabytes de retratos clicados com a facilidade de um bater de dedo, perde-se a dimensão de construção ativa de desejos em frente à câmera. Acredita-se muito mais na realidade da imagem captada, como se a personalidade de cada indivíduo não fosse fruto de suas próprias escolhas, a exemplo das fotografias coloridas à mão.
Originalmente publicado em Select, 22 de julho de 2016. Por: Luciana Pareja Norbiato.