Projeto valoriza e resgata tradição da fotopintura

11 de dezembro de 2011
Luiz Santos e o cearense Mestre Júlio tentam manter viva a técnica

Um processo artesanal, a fotopintura corria sério risco de extinção. Com o fortalecimento da fotografia digital, as indústrias deixaram de fabricar os papeis com fibras que possibilitavam as intervenções e a maioria dos artesãos simplesmente foi obrigado a largar o ofício. Uma tradição forte especialmente no Nordeste, a técnica de pintura sobre retratos empregou centenas de profissionais em toda a região, tendo como um dos seus principais centros a cidade de Caruaru e o Sertão cearense. Até pouco anos atrás, a tecnologia parecia estar suplantando uma tradição tão ligada ao sentimento de família arraigado especialmente nas cidades de pequeno e médio porte da região.

A parceria entre o artista e produtor cultural Luiz Santos e o fotopintor Júlio Santos, o Mestre Júlio, de 68 anos, vem demonstrando como é possível preservar tradições que parecem ter sido esquecidas pelo (Deus) mercado. Desde 2009, quando se conheceram mais profundamente, eles têm desenvolvido conjuntamente o projeto Fotopintura Contemporânea e estão ganhando reconhecimento e acumulando vitórias em editais importantes.

Em recente debate promovido no Teatro Arraial, o secretário Estadual de Cultura, Fernando Duarte, lembrou o caso da artista olindense Maria do Monte, que faleceu sem criar uma escola do tipo de bordado que só ela praticava em Pernambuco. Um grupo de profissionais da Fundarpe fez questão de entregar ao deputado federal Pedro Eugênio uma proposta para criação dos Fundos para Salvaguarda do Patrimômio Imaterial e Material, dentro da lei do Procultura.

O sonho do Mestre Júlio é deixar esse legado para as próximas gerações. Os jovens e as crianças são o foco do artista, que assim manteria ocupados seus alunos no período após o colégio e também estaria abrindo uma oportunidade profissional para eles. Por dominar todas as etapas do processo da fotopintura, o artista é um elo importante na manutenção dessa tradição. “Vou fazer os papeis fotográficos aqui em Fortaleza para voltar a ter algumas pessoas fazendo a fotopintura à mão aqui”, planeja.

O artista diz que foi a “fome” que o levou a abandonar o tradicionalismo e decidir começar a trabalhar a fotopintura no computador. “Os suportes foram saindo de fabricação, os papeis de fibra foram deixando de ser produzidos, os estúdios foram falindo e os artistas foram sucumbindo”, lembra. Um sobrinho de sua esposa, Júlio Junior, dominava o Photoshop e foi o primeiro a lhe auxiliar na tarefa de recriar a fotopintura.

Mestre Júlio não foi o primeiro a tentar transferir o trabalho para a era digital: um irmão dele já trabalhava com o Photoshop. “Eu era meio conservador em relação a isso. Até que achei que podia ir para trás da máquina e fazer ela me obedecer”, diz ele, que considera estar fazendo um trabalho que respeita toda a tradição da fotopintura, muito diferente de refazer uma pintura sobre a imagem que está gravada no computador.

Para isso, o artista utiliza uma versão antiga de programa, o Photoshop Cs 8.1. Ele explica que seu trabalho não é uma montagem – ele continua com a mesma força da fotopintura tradicional. Mestre Júlio faz o retoque sobre as fotos. “Eu não quero a máquina executando o meu trabalho, quero fazer da máquina um cavalete”, diz o Mestre, garantindo que continua fazendo arte sem ser refém do computador e que o trabalho se diferencia por isso das montagens tão comuns na internet e também no mercado atual da fotopintura.

A paixão de Mestre Júlio pela fotopintura chamou atenção do artista e produtor cultural recifense Luiz Santos. ”Ele é o meu anjo da guarda, foi quem inclusive me descobriu em um momento difícil em Juazeiro e eu continuo servindo aos projetos dele como um operário”, diz o Júlio. Depois de chegar a ter 17 profissionais fazendo o trabalho à mão em seu estúdio, ele teve que vender tudo que tinha para pagar dívidas, antes de ser descoberto pelo agora amigo e companheiro de trabalho.

“Eu tinha projeto de continuar, mas o grupo eu estava desfazendo porque não havia como permanecer com as pessoas. Eu ia trabalhar em cima de que material?”, diz. O contato com o produtor colocou o artista popular em uma espiral positiva, que lhe levou a conhecer pessoas fundamentais na sua carreira como a curadora Roseli Nakagaya, mas até hoje trabalha com uma equipe pequena, com duas auxiliares que eram remanescentes do estúdio antigo e sua filha que tem 16 anos (Rebeca Ariane), mas a ideia é que futuramente todas criem independência. Hoje, o estúdio consegue realizar mais de 600 fotopinturas por mês.

“Eu sou um cara pretensioso e tenho a pretensão de dizer que a técnica que uso hoje em dia é a mesma da fotopintura tradicional, até porque eu faço questão de utilizar um Photoshop mais antigo para que tenha a borracha e o algodão. Eu nunca vendi minha alma”, diz ele, chateado com o fato de alguns fotopintores terem chegado ao ponto de desvirtuar o trabalho de forma tal que imprimiam em páginas de papel comum, A4. No seu Áureo Studio, ainda hoje ele recebe cerca de 20 pedidos com fotos antigas por dia. Muitas vezes rasgadas ou parcialmente destruídas, elas são pintadas e recuperadas como era comum no processo tradicional.


Originalmente publicado em Jornal do Commercio, 11 de dezembro de 2011. Reportagem: Marina Andrade.

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