Tradição e renovação

Fotopintura é a técnica de restauração e colorização de fotografias, tipicamente difundida pelo interior do Brasil, alcançando áreas remotas de seu território. Tradicionalmente são feitas a partir de retratos (muitas vezes deteriorados) enviados por famílias que gostariam de ter sua imagem recriada e ressignificada. A técnica popularizou-se ao longo do século XX, e Mestre Júlio Santos é um de seus derradeiros expoentes vivos.

A coloração de retratos monocromáticos é quase tão antiga quanto a criação da própria fotografia, na primeira metade do século XIX. Naquele momento inicial as imagens fotográficas eram fixadas numa placa metálica, o daguerreótipo, e pouco depois brotou o desejo pelo efeito decorativo proporcionado pelos pigmentos. Com a evolução do suporte fotográfico para o papel, uma gama de materiais e técnicas pictóricas foram utilizadas na coloração, retoques e outros melhoramentos da imagem: tinta a óleo, aquarela, anilina, nanquim, pastel, entre outros materiais, antecipando uma fotografia efetivamente colorida que demoraria mais de meio século para ser inventada e outras tantas décadas pra se popularizar.

Na América Latina e em outras periferias do globo, a pigmentação dos retratos ganhou um sentido extra e novas camadas simbólicas, pois vão além do embelezamento de fotografias planejadas com rigor e bem executadas em estúdio. Sua difusão nesses países tem força pois a fonte da criação está nas fotografias simples, comuns, e o resultado não é apenas coloração, mas restauração e imaginação.

Ao longo do século XX, a maioria das fotopinturas no Brasil foram feitas a partir de retratos de documento, seja carteira de trabalho ou registro geral, trazidos aos ateliês por vendedores ambulantes que, de porta em porta, visitavam famílias de todo o país, principalmente nas regiões mais distantes dos grandes centros. Dessa matriz enviada pelos clientes gerava-se uma cópia fotográfica preto&branco na qual eram apagados os ombros, o cabelo, a roupa e o fundo, permanecendo no papel apenas o rosto. Nessa nova cópia os fotopintores recriavam o retrato com intervenções pictóricas, destacando os olhos, eliminando as rugas, definindo os cabelos e as roupas.

Um dos motivos que explica a quase inexistência de representantes dessa tradição no país hoje é que, historicamente, os estúdios de fotopintura funcionavam em linha de produção. Os ateliês eram compostos por diversos funcionários, cada qual com sua tarefa, que poderia ser desde de refotografar o original enviado pelo cliente até o acabamento do retrato, passando pelos procedimentos de laboratório fotográfico, adição de cores no rosto, base pictórica para as vestimentas, detalhes e acessórios, pintura do fundo, entre outras. Dessa forma, a maioria de seus obreiros detinham apenas uma parte do conhecimento no estúdio, e com o esfriamento do mercado para fotopintura a partir da digitalização, procuraram outra ocupação econômica.

Mestre Júlio, foi exceção dentro desse quadro, e começando ainda menino no ateliê de seu pai, aos doze anos de idade, passou por todas as etapas do processo, e por isso hoje é o guardião da técnica e da memória da fotopintura no Brasil.

Afora as pressões comerciais causadas pelas novas tecnologias de captura de imagem, restauração e reprodução digitais, a questão central para a interrupção da fotopintura feita com pigmentos por Mestre Júlio Santos foi o desaparecimento, no mercado brasileiro, dos papeis apropriados, que precisam ser ao mesmo tempo fotossensíveis e com uma superfície adequada para receber as tintas. A Kodak, por exemplo, fechou sua fábrica de insumos fotográficos analógicos em São José dos Campos no ano de 2005.

Diante desta imposição, em 2006, Júlio Santos, que àquela época estava com 62 anos, transpôs sua técnica de fotopintura para o Photoshop. Importante destacar que se trata de uma transposição, visto que Mestre Júlio não passou por um simples aprendizado do software segundo os moldes do fabricante, mas reconfigurou suas ferramentas de acordo com as necessidades da fotopintura e de seus padrões estéticos centenários. Com esse trabalho, o artista alcançou notoriedade em diversas publicações e em exposições, com destaque para a individual Interior Profundo, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2012. Segundo Rosely Nakagawa, no catálogo da exposição:

Para superar as limitações técnicas, Júlio Santos se atualizou aprendendo a trabalhar com programas digitais de reprodução e tratamento da imagem. Ao lado de sua filha Rebeca, ele tem se atualizado permanentemente, criando e inovando. Seu trabalho já é uma tradição cultural preservada por algumas publicações, pesquisas e trabalhos acadêmicos realizados com base na sua produção.

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